
Aumentar distâncias é possível, desde que você tenha treinado com acompanhamento profissional.
Ao correr sem preparo ou aumentar distâncias sem treinar pode parecer um ato de coragem, fé ou impulso nobre. Mas é também um caminho perigoso. A corrida, apesar de parecer apenas um esporte, mexe profundamente com o corpo e a mente… e não perdoa imprudências.
Correr sem preparo: quando a coragem beira o risco? Participar de provas longas como 10 km, 21 km ou mesmo uma maratona completa sem estrutura, sem base, sem um ciclo de treino adequado, é como construir uma casa na areia molhada. Pode parecer sólida no início. Pode até ter aquele brilho nos olhos na estreia, a medalha no peito, o “eu consegui” na legenda do Instagram.
Mas… sem base, o corpo cobra. E cobra caro.
A lesão não costuma avisar. Ela chega sorrateira, às vezes dias ou semanas depois. A mente, muitas vezes exausta, tenta manter o entusiasmo, mas não encontra fôlego. O que era um gesto de superação, vira silêncio. O que era alegria, vira afastamento.
Onde estão os que começaram com tudo? Se você corre há algum tempo, já deve ter visto isso. Pessoas que surgem cheias de energia, se inscrevem em todas as provas, falam de pódio, falam de RP, falam de fazer logo uma maratona. am como um cometa. Brilham forte… e somem.
É comum. E é triste.
Gente que entrou na corrida por impulso, motivado por um vídeo inspirador, uma frase bonita ou uma vitória pessoal que precisava ser marcada com algo grandioso. Mas que saiu ferido, física ou emocionalmente, porque ignorou o tempo que o corpo precisa pra se adaptar. Porque subestimou a construção silenciosa que a corrida exige.
Corrida não é pagamento de promessa. Corrida é cuidado. É claro que existe espaço pra emoção na corrida. Ela, inclusive, é movida por isso. Emoção é o motor de muita largada. Mas persistência, constância e responsabilidade são o que fazem a gente cruzar muitas linhas de chegada ao longo da vida.
Diferente do que muitos ditados motivacionais vendem, corrida não é sobre “dar tudo de si” o tempo inteiro. Na verdade, é quase o contrário. Correr com sabedoria é saber guardar parte de si. É reconhecer os próprios limites. É aceitar que tem treino que maltrata, que quebra, que não rende. E que isso também faz parte do processo.
Tem dia que a melhor escolha é não correr. Tem ciclo que exige descanso. Tem dor que não pode ser ignorada, porque ela está falando com você. Respeitar o corpo não é sinal de fraqueza. É sinal de inteligência.
A maratona não é um portal mágico, sabia? Muita gente acredita que, depois de correr uma maratona, o corpo vai se tornar uma máquina invencível. Que os 10 km seguintes serão brincadeira. Que o corpo, agora “habituado à dor”, vai tolerar tudo. Mas não é assim.
A maratona desgasta.
Inflama articulações.
Estressa tendões.
Desregula o seu organismo.
Ela mexe com camadas profundas do corpo e da mente. E depois dela, o atleta precisa de um tempo pra se reconstruir. Voltar correndo pra provas curtas, com a ilusão de que agora tudo ficou fácil, é só mais uma armadilha do ego.
Corrida é manutenção. Não é milagre. Correr uma prova, por mais transformadora que ela seja, não limpa a alma pra sempre. Assim como um banho demorado não te deixa limpo por dias. Ou como escovar os dentes por 2 horas não evita cáries pelos próximos seis meses. Corrida exige cuidado constante. Rotina. Manutenção.
É acordar cedo quando precisa e dormir cedo quando é hora. É comer direito, fortalecer, alongar e ouvir o corpo. E, principalmente, respeitar a própria jornada. Tem gente que corre pela mente. Tem gente que corre pelo corpo. Tem gente que corre pela vida. Mas, independentemente da motivação, todos precisam da mesma coisa: base.
Tem uma beleza silenciosa em ir devagar. Em construir aos poucos. Em ver o progresso vir na forma de menos dor, mais fôlego, melhor postura, mais alegria ao calçar o tênis. Quem tenta pular etapas acaba engolido pela maré. Mas quem constrói com paciência, com carinho, com escuta… esse tem a chance de viver o esporte por muitos anos. De verdade. De ver a corrida como parte da vida. Não como um evento isolado.
E não é só o corredor que sente os efeitos de um erro. Família, amigos E colegas… Todos convivem com o reflexo de um corpo lesionado, de um humor abalado e de uma energia drenada. Correr sem preparo não é apenas uma escolha pessoal. É uma decisão que afeta quem está ao redor. E, muitas vezes, quem vai cuidar do “herói” pós-prova, com dores, limitação e frustração são aqueles que nem estavam correndo a prova, mas ao ver o estado que você chegou, pensam sileciosamente: jamais farei isso comigo.
Por isso, deixo aqui um pedido, quase um apelo: Vai com calma. Trata a corrida com respeito. Cuida da sua jornada como quem cuida de um jardim, não como quem tenta colher flor onde ainda nem plantou semente. Não se compare com quem está em outra fase. Não se sinta pra trás se precisar andar. Não tenha vergonha de treinar com paciência.
A corrida é longa. Não é trend de rede social. E o mais bonito não é quem corre mais rápido. É quem consegue continuar correndo com o ar dos anos. Quem se mantém. Quem cresce por dentro. Quem evolui com gentileza. Corrida é compromisso com você mesmo. Lembre-se: Corrida não é sobre provar que todo mundo está errado. É sobre fazer o certo com o próprio corpo. Com a saúde. Com o tempo. E, mais do que tudo… Corrida é um banho diário. De presença. De consciência. De cuidado.
A gente quer você por perto. Por muito tempo. Inteiro. Feliz. Correndo não só por metas… mas por amor.
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